2 de fevereiro de 2017

Júpiter em libra e escorpião (2017)

você pode confiar no outro?


De todas as coisas maravilhosas que observo na poética das estrelas, os ciclos dos planetas de longe, é o que mais me fascina. Cada signo por onde os planetas passam, munidos também de suas próprias características, trazem para nós espectros da experiência humana e dos ciclos que nós próprios temos também que percorrer, para transcendermos tudo aquilo que em nós precisa ser superado. E como um arquétipo de forte influência para esse ano, Júpiter vem expandir um assunto que muito precisa ser debatido em nosso tempo: nossas relações com os outros, as parcerias e os relacionamentos. Você pode confiar no outro? Você está em relacionamentos que se sustentam na intenção de caminhar junto? Eles contemplam sua experiência subjetiva/individual?


Libra, signo que simboliza a balança, é além de um arquétipo da justiça, um símbolo também das parceiras, pois tem vinculação com a casa 7 - a casa do outro. É aquele que põe a prova, que questiona, que coloca na balança todos os aspectos de uma questão, a fim de julgar se há desequilíbrio de alguma parte. Com Júpiter nesse signo, a justiça se expande: não é mais possível manter relacionamentos onde uma das partes se beneficia mais do que a outra, não é possível manter relações de fachada, não é possível mais usar as pessoas como se elas fossem meros objetos para nosso prazer. Pois Libra colocará na balança, e o que tiver de ter fim, terá. Justiça seja feita.

Desde que Júpiter entrou nesse signo (em outubro do ano passado), não só muitos relacionamentos amorosos tiveram fim, como amizades e também parcerias. Pude ver isso tão de perto de forma tão avassaladora que mesmo todo o meu ceticismo (que acreditem, possuo) não pude deixar de sentir que estamos na crista da onda. É tipo um estupor: ou vai ou racha. E que permaneçam as relações verdadeiras! Pois o mundo que necessitamos construir, não merece menos do que pessoas se relacionando de forma mais plena, menos escusa, menos desonesta, menos egocêntrica.

E como a poética das estrelas só consegue ficar ainda mais bela, o que sobrar de injustiça após a passagem desse planeta por Libra, será trazido a tona à partir do ingresso dele em escorpião. E aí meus amigos, o que estiver oculto, com certeza vai vir a tona. Porque ele expande o submundo daquilo que está intimo em nós, e então toda podridão, toda desonestidade que cometemos com o outro, todos os aspectos de dominação e controle que exercermos e tentamos sutilmente manter em segredo, finalmente vai subir como cheiro de um esgoto que finalmente é destampado.
e todos vão poder ver as merdas que ainda fazemos com as pessoas.

Por fim, basicamente diria então, que quem não aprender pela diplomacia libriana, vai sentir o doce veneno de escorpião. Eu particularmente estou extasiada com esse movimento, porque acredito que já passou da hora de sermos incomodados na forma como nos relacionamos com o outro. Essa coisa de estabelecer experiências efêmeras, objetivadas pelo simples prazer individual, sem empatia, que reproduz esse mundo de mercadorias, onde as pessoas se relacionam de forma objetificada, precisa ser problematizado. O mundo está mudando.É necessário que reflitamos sobre quais tipos de relações gostaríamos de manter como fundamento da experiência humana.
_________
The way is better when walking together
_________

4 de janeiro de 2017

2017 - o ano saturnino

O começo de um novo ano, para mim, representa muito pouco. Talvez porque de fato, nada mude de um dia para o outro e uma virada não representa nada além de expectativas e esperanças de uma renovação que as vezes tateia no escuro. Porém acreditando em uma visão cíclica do tempo, onde coisas terminam dando lugar ao novo, estou especialmente animada com 2017, por todos os arquétipos interessantes que estão sobre ele.


Em março iniciamos o novo ano astrológico - e com ele uma nova regência para os próximos 36 anos. Não há consenso acerca disso, como tampouco há consenso sobre coisa alguma nesse mundo. Porém eu particularmente gosto muito dessa leitura, porque em quase 1 ano estudando as regências maiores dos ciclos de 36 anos, notei padrões extremamente instigantes nesses períodos. E sendo Saturno nosso querido regente, as expectativas revolucionárias estão nas alturas.

Saturno é o senhor do tempo, é Chronos. E como tal, está intimamente ligado à Kairós, nosso querido Urano. Juntos são poderosíssimos e é extremamente instigante vê-los com protagonismo sob as próximas décadas. A força da maturação de capricórnio, sem a qual nada se concretiza, munida ao espírito certeiro e transformador de aquário não dá margem para erro: ou muda, ou muda. É só imaginar que nos últimos dois ciclos de saturno tivemos nada mais, nada menos que:

1. a eclosão da revolução francesa
2. reforma protestante e a exploração das Américas

Ou seja, praticamente toda a base da nossa sociedade e as estruturas para consolidação de uma nova estrutura política e econômica se deram sob a regência do senhor do tempo, que nada perdoa, que vem para concretizar o que antes estava sob os planos das ideias.

Eu particularmente adoro Saturno. Tido como grande maléfico, em nossos mapas indica tudo no qual temos dificuldade - restrições. Poderíamos interpreta-lo como um cobrador, que hora mais, hora menos bate em nossas portas exigindo aquilo no qual estamos devendo. Ele é, portanto, um arquétipo difícil. Em oposição ao sol - que emana energia, paixões e muita criatividade, Saturno gosta de estabilidade, de solidez e concretude. Ele gosta de pessoas maduras, que estão dispostas a fazer o que precisa ser feito, que sabem extrair do plano das ideias, as ações concretas. Pode ser pesado, as vezes até opressor. Mas é aquela pressão que faz crescer sabe? Aquele sufoco que nos leva a dar um passo que achamos que jamais conseguiríamos. E por isso, alcançamos coisas muito maiores. Ou como alguns mestres gostam de dizer: Chegamos ao cume da montanha.

O tempo do sol se encerra em março e com ele, o foco no eu. Isso não significa mudança imediata, afinal são quase 4 décadas pela frente. Mas significa que, de certa forma, assim como nas últimas 4 décadas trabalhamos muito a questão do ego (vide geração self, nada mais leonino) chegou a hora de amadurecer, sair de si, entrar no outro e transcender. Esse é o desafio de Saturno, que começa com tudo em 2017, no cerne das eclipses entre leão e aquário que vão literalmente quebrar a perna de muitos.

Com a ajuda de Júpiter em libra - colocando à prova todos os relacionamentos, leão e aquário vão ferver em 2017 fazendo a gente amadurecer no contato com o outro. Sabe a superficialidade do nosso tempo? Aquela coisa típica da geração do sol que só quer curtir o momento? Aquário vem com toda sua chatice incomodar e fazer a gente pensar naquilo que vai além do nosso próprio umbigo. Ao tempo que toda aquela confusão mental que todo aquariano carrega em si, terá que transcender no contato com a energia de leão, que exige honestidade e plenitude, para que não se viva coisas pela metade.

E com isso o espetáculo das estrelas está montado.
E eu particularmente só estou observando - e rindo um pouco, claro.
Por isso que 2017 inicia para mim como um novo tempo. Nessa dança dos dias, eu sou grande entusiasta. Gosto de ler as estrelas porque acho de uma poesia infindável. Elas não determinam nada. É só uma forma de ler o mundo, é uma licença poética para declamar ao mundo nossos desejos mais profundos.

E o meu é que os astros estejam certos. E que eles nos tragam a revolução, as relações mais plenas e um mundo com bases mais sólidas, pois quem sabe assim, o desejo de viver da humanidade reacenda e vibre como nunca.

2 de dezembro de 2016

duas fridas

há dentro de nós sempre duas. dois corações. para que quando um estiver ferido, tenhamos ainda outro que nos permita continuar pintando;
Frida - As Duas Fridas


Eu divido com a Frida o sol e a lua. A forma de sentir é realmente em nós muito próximas. Há aquele senso comum que cancerianos são sofredores crônicos, possessivos e enciumados, sobretudo se reforçados pela lua em touro. Mas a verdade é que esse sentir perpassa muitos outros, que a necessidade de canalizar as angústias daquilo que não podemos controlar é também uma força poderosa. Com o mercúrio em leão, as necessidades passam a ser outras. Iluminar, sob a arte, ou qualquer outra coisa, é como pensamos. Isso nos torna tão próximas, tão intimas que poderia muito bem olhar um quadro e sentir, exatamente o que se passava em sua alma. Somos duas fridas, separadas pelo tempo e a distância, mas unidas pela coincidência cósmica;

Que o coração de uma, alimente o da outra.

27 de novembro de 2016

sobre ser e não ser (a exceção e a regra)

em tempos de percepção da massificação de todas as esferas da vida social, de normatização do pensamento e das vivências, a ideia da exceção surge como primeiro elemento transgressor, acalentador para o histórico conflito entre o ser e a autoconsciência. O aprofundamento da ideia, traz em si mesmo, enquanto processo, uma frustração subsequente. Ao perceber que somente nela, não se finda, pois não se supera. Isto é, a compreensão que a exceção faz também parte da regra é um estágio de letargia do qual se debruça o sujeito com uma barreira aparentemente intransponível, entre a consciência de suas correntes e a experiência de libertação das mesmas. Após o torpor, identificando que a sua primeira experiência, não se tornou suficiente, que a rebeldia não se concretizou como fim nela mesma, o ser e a autoconsciência se chocam mais uma vez, de forma ainda mais aguda, movimentando uma nova busca, pela cisão do outro dentro de nós mesmos. Quanto a isso, não tenho por ora nenhuma indagação que ponha o ponto final nesse mal estar. Mas poderia dizer que intuo, que as experiências que nos postam diante desse movimento, ocorrem entre o acalento da transgressão e o suplício da adequação civilizatória, entre o querer ser a exceção, mesmo que nunca fujamos da regra;

25 de novembro de 2016

as palavras e a eternidade (sobre não escrever)

Não gosto das palavras
pois elas eternizam
e a eternidade, meu caro, é algo seríssimo
para quem lê o mundo
sob a dialética do infinito
a eternidade se mostra como prisão
e as vezes, alívio
desafogo em tempos sombrios
ensurdecedor grito em tempos bonitos
as palavras meu amigo
eternizam
todas as constelações das experiências
que em boa parte do tempo
eu preferiria manter no esquecimento
talvez por confusão
talvez por alívio

de certo que concordo, que em partes
deveria
encarar meus pensamentos
como fotogramas
do ontem, do hoje
e do vir a ser
que registram uma história 
que como sujeito estou a escrever
mas poderia negar a minha resistência
a declarar ao mundo de forma tão aberta
o que de mais intimo há em mim?
quiçá deixar registrado em um papel
que pode vir a não mais me pertencer?

meu caro, não por ora
mesmo que ainda embebida de loucura
em alguns momentos esqueça da tortura
que é deixar registrado meus pensamentos mais escusos
não me sinto pronta
para revelar ao mundo a minha própria eternidade
e é por isso que cada palavra
que eu deixar registrada
será involuntariamente arrancada
de dentro de mim
com angústia;

Ao Bruno - sobre porque não gosto de escrever.


23 de novembro de 2016

o mundo que ainda comporta a beleza



o mundo se despedaça
diante do espírito,
impossível se manter alheio
um grito
tempos difíceis
beleza e integridade
impossíveis, privilégios
de poucos
insuficiente
intolerável
sufocante
desperta,
no caos
força
para se manter inteira
para continuar enxergando
toda sutileza de um mundo,
que ainda comporta a beleza;

 

29 de novembro de 2015

Uma carta as minhas queridas donas de casa desesperadas

Eu sinto falta de vocês. Sinto em vários momentos. Quando estou assando uma fornada de bolinhos, quando passo em frente a uma vitrine reluzente de um shopping, quando folheio livros infantis ilustrados com aquarela, ou mesmo quando estou bebendo uma taça de vinho depois de um dia longo de trabalho... Sinto falta em muitos momentos do meu dia, em várias situações da minha vida. Porque apesar de vocês serem apenas personagens de um roteiro televisivo, cada capítulo dessa estória marcou tanto a mim que não consigo mais de vocês me dissociar. Cada parte de mim hoje tem um pedaço de vocês, o que muito provavelmente significa que quem as escreveu, entendia muito bem sobre o feminino e todo o peso que carregamos em nossas almas. Por isso que essa nossa união será eterna e a minha gratidão a todos aqueles que as trouxeram à vida, jamais suficientes. Hoje sei que o acalento que vocês trazem as mulheres que em vocês encontram a si próprias, é o que de mais feminista pude encontrar. Sei que isso pode soar ironia para quem descobre que vocês foram escritas por um homem e retratadas em um contexto tão comercial e norte-americano, mas eu manterei eternamente essa posição, por ter entendido que as vezes, na maior das contradições é que surgem as melhores estórias.


Nesse instante, me vem claramente a mente a abertura da série. Todas aquelas mulheres, seus papéis sociais e a opressão satirizada com uma alegre e dançante música de fundo. Uma sensação no mínimo instigante, exatamente como cada episódio das oito temporadas. Porque no fundo daquele espetacular cenário, do feliz retrato de tudo de mais perfeito que uma vida poderia ter, da beleza estampada em cada detalhe, encontramos em vocês a representação de todas as mulheres, cada qual com suas marcas, tal como na analogia histórica da abertura. E assim constatamos que do fim ao começo, a aventura do se tornar mulher, é o melhor experiência da existência humana, justamente porque não há nada mais contraditório e desafiador em nosso tempo histórico.

E nascendo portanto, de uma sátira a toda a dor causada em um homem, nos reencontramos em todos nossos vícios e virtudes. Por nós mesmas e pelo mundo, a força para reconhecer os dilemas do eu feminino, nossos limites e tudo que ainda precisa ser transpassado. Como bem vocês retratam, é um peso dos maiores do mundo. Mas é também, e hoje vejo mais claro do que nunca, a maior das oportunidades. Tal como dito, a maneira de experimentar o que há de mais complexo na experiência humana, e talvez assim, nos tornar ainda mais mulheres, mais do que qualquer outro.

Por isso hoje deixarei registrado, para mim, para vós e para o mundo todo esse sentimento que hoje constato. Que apesar de cada uma ter trazido sua própria reflexão a luz de suas experiências, o que devo escrever particularmente à cada uma, todas vocês contribuíram para essa reflexão mais madura, da maravilha que é ser mulher, e continuar se tornando à cada fôlego tomado.

Portanto adeus minhas queridas.
À vocês minha eterna saudade. 

Sei que no futuro, vocês já não mais estarão presentes. Mesmo assim, ainda que no passado, pretendo reencontra-las ainda muitas vezes, quando eu decidir assistir novamente essa maravilhosa estória. 

31 de março de 2014

O trem de São Paulo

Vou ter que ir ao Brás. "ai meu deus" - penso. Será que vai estar tão lotado como da outra vez?  - Afinal já são 19hrs, não é mais horário de pico. Cruzo pela transferência entre trens rumo a CPTM e logo me deparo com a confusão. Como sempre muita gente. Empurra, empurra, todos se esmagando. Eu não quero bater em ninguém, mas é impossível. Sem dar cotoveladas para que as pessoas parem de te empurrar você é esmagado. Sigo adiante, alias não sigo. Eles me levam. Nem sinto meus pés no chão, mas acho que estamos subindo a escada. Ao chegar na plataforma, meu coração está muito acelerado. Começo a passar mal. Tem muita gente, não consigo respirar. Olho para o lado, noto 2 soldados da polícia federal fazendo um cordão para que não invadam o vagão preferencial. As pessoas te empurram, o trem chega na plataforma. Ele vem vazio e parte sem caber mais nem uma agulha. Outro trem vem, e parte da mesma forma. Mais outro trem, e outro, e outro, e outro. Agora estou mais perto da porta, já se passaram 30minutos. Meu coração parece que vai parar. Quanto mais me aproximo da porta, mais medo tenho. O vão entre o trem e a plataforma é enorme e cabe uma pessoa como eu facilmente. "e se eu cair?" - é aterrorizante. O trem para na estação, eu ergo meus braços tentando não ser levada pela multidão, afinal quero ver onde estou pisando para não cair entre o trem e a plataforma. As pessoas me empurram tanto que não consigo segurar... o panico já tomou conta de mim mais do que eu poderia suportar, estou tremendo e não consigo se quer levantar o braço. "e se eu cair? e se não me ajudarem? e se o trem sair? não quero morrer, não aqui, não desse jeito". As pessoas empurram os que ficam parados na frente do trem, alguns caem para o lado. Eu me seguro em uma pessoa que está na minha frente. Nem penso sobre o que ela vai pensar de mim, estou com medo demais para pensar nisso. Grudada em outra pessoa consigo ser jogada dentro do trem sem cair no vão tão temido, mas já é tarde demais, estou nervosa demais, não consigo segurar, o choro irrompe sem que eu possa fazer nada quanto a isso. Ali, prensada entre mochilas e sovacos não consigo parar de chorar. Ninguém percebe. Os poucos que percebem fingem que não estão vendo. Mas assim é melhor, é muito humilhante. Por mais que eu pense que não é nada natural aquela situação, para as pessoas é, e eu só posso me sentir uma pessoa boba e mimada que tem medo de morrer em um tumulto no trilho do trem. "meu deus, como sou idiota. Será que sou idiota? será que é isso? devemos nos acostumar a isso?" - a minha estação chega. Antes mesmo de abrir a porta já vejo uma multidão se aglomerando para entrar no trem. "será que consigo sair??" - vou para porta desejando mais do que tudo que não passem por cima de mim. A porta abre, dou um pulo, consigo sair, finalmente... Quando olho para meu redor, me encontro ali parada na plataforma do Brás, o trem lotado, os guardas empurrando com toda a força as portas que não conseguem fechar sozinhas. É muita gente, muita violência, nada de humanidade. A imagem é bem nítida na minha mente e a única coisa que consigo pensar é: "auschwitz não morreu".



17 de março de 2014

A ONU, a paz, o capitalismo, e todo o restante do mundo

Há alguns meses navegando pela internet acessei uma página que trazia um relato grotesco de uma suposta experiência feitas com meninas entre 10 e 12 anos retiradas do leste europeu e transformadas em "bonecas sexuais" para serem vendidas por milhões no mercado negro internacional. Segundo o relato, supostamente essas meninas passavam por diversas cirurgias, tendo partes do seu corpo mutiladas, sua voz e capacidade de reação removidas. Sem sombras de dúvida, algo cruel. No entanto, ninguém vai acreditar que um relato desse nível seja verdadeiro, e não tardou para que pipocasse na rede diversos textos desconstruindo essa estória. 

Sim, aparentemente era falsa. Ou pelo menos eu pensava isso, até ontem.

No conforto do meu sofá liguei a TV para assistir um filme e um título me chamou muito a atenção: "a informante" com Rachel Weisz. Gosto da atriz, ela já fez alguns filmes que eu gostei muito, e pensei que seria uma boa escolha. Apertei o play e de repente, estava em Kiev, na Ucrânia. Seria uma grande ironia se não fosse a realidade. Uma festa, 2 garotas aparentemente sem muita perspectiva de vida, uma vida decadente e miserável pela frente e uma promessa de futuro melhor caso fossem trabalhar em um hotel de luxo fora dos limites da Ucrânia. Uma das garotas resiste a ideia, porém após um conflito com sua mãe, ela abandona seu lar e segue com sua amiga por essa aventura. Depois disso, vivenciamos através do olhar de uma policial americana escalada para trabalhar em uma organização pacifista na Bósnia, os destroços de um país devastado pelos conflitos étnicos, cenário de um dos maiores escândalos de trafico humano promovido por entidades internacionais. E nesse contexto encontramos as 2 garotas do inicio do filme e tantas outras em condições da mais alta degradação humana. 

O filme segue e angustiante narrativa que nos leva a presenciar as mais diversas formas de humilhação. Tortura física, medo, ameaças, morte. E então a associação é inevitável. As garotas que conhecemos durante o filme não são tão diferentes dos relatos macabros que encontramos acerca das "slavery dolls" na deep web. Elas não passaram por nenhuma cirurgia, mas as mutilações são reais. Primeiro lhe tiram a liberdade, ao cruzar as fronteiras e lhes roubar o passaporte. Em seguida a dignidade, fazendo-as acreditar que tem uma divida e precisam pagar para ir embora. Sob esse pretexto, em busca da liberdade elas vendem seus corpos, se sujeitando a todo tipo de coisa degradante, de ficar acorrentada em uma pedra nua por horas, a tolerar diversos homens abusando-as das formas mais indescritíveis. Quando chega a esse ponto, notamos então que sua capacidade de reagir está totalmente dominada pelo medo, elas não falam. Perderam então sua voz. O choque com essa realidade leva a policial Kathy a lutar das mais diversas formas para ajudar essas garotas. Mas quanto mais ela tenta pelos meios legais e investiga profundamente cada caso, mais ela se depara com a corrupção e os limites da forma liberal de organização social. Ingenuamente ela achava estar atrás de uma única pessoa corrupta, mas se depara com um esquema monstruoso, envolvendo desde autoridades diplomáticas, aos soldados dos mais diversos países. Nesse momento ela já está sob a mira dos mais altos escalões do governo americano e da organização pelas nações unidas - a ONU que de forma alguma estavam dispostos a deixar um escândalo como esse vazar. Acompanhamos então sua tentativa de tornar o caso público, uma vez que ela não obteve sucesso mediante a justiça vigente.


Acho que o mais chocante desse filme é que ele é um retrato de um caso bastante real. Kathryn Bolkovac não somente existe, como escreveu 2 livros contando suas experiências acerca da investigação de um esquema de tráfico humano promovido por pessoas ligadas a ONU e a corporação DynCorp. Aliás, vale ressaltar que não foi somente esse escândalo que a DynCorp se envolveu, há diversos relatos de abusos cometidos, inclusive no Iraque e Afeganistão, onde eles mantém um acordo com os EUA para interferir militarmente em prol "da paz" na região. Uma pequena busca no google, ou pesquisa no wikileaks pode deixar qualquer um enojado.

a verdadeira Kathy

No fim da questão, há 2 pontos a se ressaltar acerca da importância do debate suscitado através desse filme. Primeiramente, o quanto nós mulheres somos oprimidas pela sociedade patriarcal. Durante todo o filme nos deparamos com o machismo nos seus mais diversos níveis. Desde a mulher que apanha do marido e todos acham que ela merece, até o caso mais extremo - onde as mulheres viram escravas, como se fossem qualquer outra mercadoria. Assistir esse filme sendo mulher é algo ainda mais difícil, pois é inevitável não se sentir menor diante da situação dada. Ponto importante para debate e luta de toda feminista pela emancipação da mulher, pois o atraso histórico da qual somos reféns - seja por questões econômicas, seja pela reprodução de uma consciência machista - precisa mais que nunca ser superado. É uma questão de sobrevivência. A urgência está dada, o debate, lançado.

O outro ponto que me fez refletir por horas é a relação da nossa forma de organização social e barbárie institucionalizada. Em determinada cena do filme uma funcionária do alto escalão da ONU questiona outro funcionário - também do alto escalão - acerca do modo como a ONU estava tratando a denúncia de Kathy. Ao relembrar o histórico da ONU, ela defende que seja feita justiça, uma vez que a ONU fora formada "sob as cinzas de Auschwitz", no entanto ao ser afrontado, o dirigente revida dizendo que trabalha no mundo real, no mundo onde há corporações privadas, e que quanto a isso, eles não podem fazer nada. A importância da ONU se sobrepunha a qualquer forma de justiça. Mais importante até do que as pessoas que ela deveria proteger.

E aí nos deparamos com uma das mais tristes verdades de nosso tempo. Enquanto o nazismo matou milhões, nosso "liberalismo progressista" prossegue a matar trilhões com a barbárie institucionalizada. Ninguém é responsável por nada, corporações são criadas e destruídas, e como não há um "hitler" para responsabilizar, tudo prossegue no "vocês fingem que não veem e eu finjo que não faço". O jogo favorito da burguesia internacional para acobertar seus crimes. A ONU, a paz, o discurso... as melhores formas dos que "fingem que não veem" lavarem sua consciência humanitária. E assim, a marcha fúnebre prossegue.

E aqui eu finalizo recomendando grandemente que todos assistam esse filme. É uma forma de por a prova se nossa humanidade ainda se mantém viva. 

28 de dezembro de 2013

Sobre morder a maçã

Como grande entusiasta da trajetória da personalidade do Steve, não pude deixar de conferir a estreia da última narrativa cinematográfica de sua história, o filmes Jobs. Não tinha grandes expectativas, porque sabia que o filme dificilmente retrataria algo diferente do que eu já li em algumas biografias, mesmo assim, qualquer experiência de contato com sua personalidade, se torna sempre algo instigante para mim.  E essa experiência não foi diferente. Apesar da superficialidade das atuações e do roteiro, é possível ter um primeiro contato poético com o legado que Steve e todo simbolismo da sua trajetória. Sei que para muitos, isso passaria desapercebido, por trás da visão superficial entre o homem e o mito, ou das críticas entre o ser revolucionário do capitalismo. Porém de toda forma, para mim, jamais poderia escapar, entre uma crítica e outra, a profunda admiração pela sua ideia da maçã e a imortalidade de toda devassidão do pecado mortal que nós lançou na humanidade.

Ele sabia, que chegamos aqui mordendo a maçã.

Quando digo que sou grande admiradora da personalidade de Jobs, é preciso estabelecer limites. É certo que ele era temperamental, megalomaníaco e um tanto quanto arrogante e egocêntrico, porém por trás de todos seus pecados, ou honestamente, na junção de todos eles, há o fascínio de uma escolha provocante, que data da mais longínqua aporia humana: morder ou não a maçã? Jobs, está sempre a nos oferecer a mesma. Acreditando no potencial humano, que onde há falhas, há também grandeza.

O dono de uma das maiores marcas de todos os tempos usando sandálias e shorts para uma reunião de negócios. Uma das mentes mais sagazes dos últimos tempos que não fazia questão de ser querido, apenas imortalizado. Um capitalista cujo lucro não importava mais do que as ideias, um artista cuja a perfeição de postava como o mínimo, cujo brilhantismo estava na apropriação humana. Como todo demônio, Jobs se fez a partir da apropriação do outro, do que havia de melhor no mundo. Poderíamos dizer que isso o torna não mais do que um burguês, mas para isso, seria necessário um tanto quanto mais de acumulação. O capital de Jobs nunca foi monetário, seu capital se constituiu em torna-lo um mito, um gênio, visionário. Jobs não queria nada menos do que a grandeza da história.

E conseguiu. A direção de suas criações figurarão para sempre como reflexo de sua engenhosidade em determinar historicamente as possibilidades de um futuro presente. Para chegar a isso, para encontrar a imortalidade da história, não precisou nada além do que morder a maçã e aceitar que seus pecados o tornariam humano, com tudo de mais poderoso que isso poderia representar. A aceitação de sua humanidade e o engrandecimento dela, para mim representarão sempre o simbolismo da maçã, e de tudo de vivo que há em ser aquele ponto fora da curva, amado e odiado, mas jamais ignorado.

"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o fazem."Jack k.