2 de agosto de 2012

Revolucionários de Nike. Do espírito cooperativo, idealista e distorcido do processo revolucionário;

Na boca um grito: “abaixo o capital!”, no peito um símbolo: “Just do it!”. Um contra-senso? Ou a nossa incapacidade de enxergar o homem em seu processo histórico? Um texto sobre a revolução, o senso comum e as boas intenções que não contribuem para o avanço do nosso entendimento.

Circulam comumente pela rede críticas a indivíduos por teoricamente se intitularem revolucionários enquanto usam camisetas da Nike. Até aí, nenhuma grande novidade, tal crítica de senso comum já fora muito explorada por uma elite que descrente das idéias revolucionárias, critica quem clama por revolução e mesmo assim exibe camisetas da Disney, Iphones e latas de coca-cola, símbolos de grandes corporações capitalistas.  Então será isso o maior contra-senso dos socialistas? Ou no fundo nos falta entendimento do processo histórico no qual estamos inseridos? Esse texto caminha no sentido de refutar tais argumentos de tamanho senso comum e levar-nos a reflexão sobre o que de fato é determinante em um processo revolucionário, para que possamos ultrapassar a barreira da ignorância que nos envolve e assim efetivamente construirmos uma crítica a nossa atual sociedade.

Para iniciar o debate, primeiramente é necessário ter o mínimo de entendimento sobre o que de fato vem a ser o capitalismo, para além daquilo que podemos extrair da Wikipédia. Não que eu tenha a ilusão que nós tenhamos plena consciência de todo o processo histórico, mas se não nos atentarmos a essa questão com dedicação, nunca entenderemos o que de fato significa o grito “abaixo o capital!”. Precisamos entender que mais do que simplesmente derrubar algumas corporações que dominam nossa cultura de massa, ser contra o capital requer pensar como se estruturaria uma sociedade sem as bases do sistema atual, sem a acumulação do lucro, a propriedade privada, a exploração da força de trabalho e tantas outras vertentes que sustentam nosso status quo. Quando eu leio que uma pessoa está sendo capitalista porque comeu no Mc donald´s ou usou um tênis da Nike eu sinto uma enorme desesperança tomar conta de mim. Ora, é necessário entendermos essa questão enquanto processo. A crítica que se faz a quem usa um tênis da Nike, por exemplo, é que a Nike é uma corporação que se utiliza da exploração da força de trabalho – muitas vezes escravo – para produzir lucro. Pois bem, embora a crítica faça enorme sentido e comova os corações dos socialistas mais engajados na causa social, é preciso entender que no atual estado das coisas a exploração da força de trabalho não se dá somente nas grandes corporações, mas em toda sociedade.

Um exemplo claro disso se dá na própria indústria têxtil, que embora seja tão necessária a nós, se mostra claramente como um dos setores mais cruéis da exploração de nosso tempo. Aqueles que não usam “roupas de marca” e se acham superiores por isso provavelmente nunca pararam para pensar no processo de fabricação de suas roupas. Olhe para a etiqueta da roupa que estás agora, o que você vê? C&A, Zara, Torra-torra, ou alguma lojinha de bairro? É indiferente. Não estamos cansados de ver as denúncias de fábricas e oficinas que se utilizam de mão de obra escrava para produção de roupas a um preço popular? A crescente, recente e tão aclamada fast-fashion se mantém desse mercado. Até mesmo o termo não se dissocia do processo que engoliu a indústria alimentícia. Na economia de mercado, o fast é apenas o ápice da nossa exploração. E por mais que lutemos para nos livrar da fast-fashion, ou do fast-food, não há como do mundo nos distanciar. Em toda parte há exploração, não somente nas corporações ou na fasts indústrias, mas na base de toda nossa atual organização social. Entender isso é iniciar o processo de libertação que deve culminar na revolução, pois enquanto a produção se concentrar em uma pseudo-liberdade de mercado, nos imputando um sistema de concorrência desigual, haverá a exploração do proletariado. E não somente do proletariado, mas da própria pequena burguesia, que mesmo se beneficiando de alguns aspectos do capital, continua sendo explorada por ele.

O que significa dentro dessa conjuntura não usar Nike? Significa que você não estará contribuindo para o capitalismo? Ou para a exploração da força de trabalho? Doce ilusão. Aliás, doce não, amarga. Visão tão distorcida só se assemelha ao ingênuo socialismo cristão, que em nome do amor universal mascara a realidade mantendo em nós o “respeito” e a conformação.  Mas falarei disso adiante. No momento, gostaria de reforçar que não defendo tais corporações, pois também acredito que elas devem ser suprimidas, porém  acredito ser necessário fazer a distinção entre o sistema capitalista e entre aquilo que é apropriado pelo sistema capitalista. Para explorar um pouco mais essa afirmação, usarei como exemplo um famoso personagem infantil que é tido como símbolo capitalista: Mickey Mouse, o ratinho centenário do universo Disney.

A Disney é uma grande corporação capitalista, pois funciona sob as bases desse regime. Mas o que o Mickey em si representa? Para mim, apenas mais um personagem incorporado em nossa cultura de massa, da qual as empresas se aproveitam para produzir em larga escala e sob regime de exploração diversos produtos licenciados. Claro, que aqui caberia um largo debate sob toda a moral que esse personagem carrega em si, mas para além da moral (que é algo presente em todo símbolo, para o bem ou para o mal), o Mickey em si, para o capital é como qualquer outro personagem da nossa cultura, que é apropriado para acumulação de lucro.  O que significa usar uma camiseta do Mickey então? Significa que você vive em um mundo capitalista, doente e degenerado onde tudo que é criado acaba virando mercadoria, os personagens, as estórias, o desenho. Toda nossa cultura.

Negar isso e reproduzir o senso comum de que ao deixar de usar tais produtos estaríamos fazendo a grande diferença no mundo ou contribuindo para sua transformação é de uma ingenuidade sem precedentes.  Aliás, não poderia deixar de fazer uma crítica ao nosso excesso de boas intenções. Veja bem, não que eu seja uma radical insana que deseja implodir o sistema, ou que acredite que as boas intenções não fazem a diferença, mas acho que já passou da hora de avançarmos nossa consciência para se ter a real dimensão do que está em jogo nesse momento.  A necessidade da revolução, sem ela, vivemos de pequenas reformas a caminhar em nossa degeneração.

Retomando o que disse um pouco acima, acredito que tamanha ingenuidade se compara ao socialismo cristão que há muito nos obscurece a visão da realidade. Tal socialismo idealista, muitas vezes defende que nossas ações isoladas e nossas boas intenções acabam por mudar as coisas, quando na verdade, é o contrario.  Na defesa de princípios e idéias como a democracia, o respeito ao próximo, a liberdade sem avaliar o que isso representa em nossa sociedade, acabam por distorcer a realidade, afastando-nos da real dimensão desses valores, que na maioria das vezes são usados pela burguesia para manter a sua dominação.  Tais defesas sempre se apoiarão na idéia de que para mudar o mundo é necessário começar por si mesmo. Ora veja bem, há um duplo significado para essa frase. Quando pensamos em mudar nossas atitudes, avançar na consciência para então partir para uma ação efetiva e coletiva, isso até faz sentido. O problema é que essa moral na maior parte das vezes é empregada de forma individualista para nos livrar de uma consciência que pesa a cada vez que pensamos no mundo que nos rodeia. Então de repente, passamos a crer que nossas ações isoladas bastam e que estamos fazendo nossa parte. Mera ilusão.

Gostaria de ainda me alongar nesse assunto, e entrar no campo de ideal libertário. Gosto muito do apêndice do livro Estatismo e Anarquia, onde Bakunin irá criticar as boas intenções dos anarquistas que tinham no processo de cooperação a mudança de nossa sociedade:

“A cooperação, sob todos os seus aspectos, é sem sombra de dúvida, uma forma equitativa e racional do futuro sistema de produção. Contudo, para que ela possa alcançar seus objetivos, que são a emancipação das massas laboriosas, sua retribuição em função do produto integral de seu trabalho e a satisfação de suas necessidades, a terra e o capital, sob qualquer forma que seja, devem ser convertidos em propriedade coletiva. Enquanto isso não for feito, a cooperação, na maioria dos casos, será esmagada pela concorrência toda –poderosa do grande capital e da grande propriedade fundiária.”BAKUNIN, Estatismo e Anarquia, Editora imaginário, 2003 – pág 240,241.  

É preciso entender o contexto da sua crítica. Em um momento onde muitos adquiriam conhecimento sobre a crueldade da organização econômica a qual estavam submetidos, não aceitando o ideal comunista de estado, acabavam se aproximavam do anarquismo pela defesa da liberdade e da cooperação como formas de emancipação social. Bela utopia. Falta de análise do processo histórico que somado as suas boas intenções e embebidos nas idéias de Proudhon não se davam conta que sem a revolução suas boas intenções seriam engolidas pela lógica do sistema e perpetuariam então a dominação do capital.

Portanto se queremos uma real mudança da sociedade, não é deixando de usar certos símbolos ou de comer em algum lugar que conquistaremos tamanho sonho. Assim como nosso ideais de cooperação e sistemas coletivos de produção e gestão não podem vir dissociados da revolução do povo. Não alcançaremos a transformação social clamando por igualdade, embora seja no fundo, o que todos querem. Alcançaremos sim a transformação social, no dia que pela igualdade, fizermos a mudança, não só de nós mesmos, mas de toda a sociedade.

2 de julho de 2012

Sobre o reformismo

Porque não há nada mais tedioso que o meio-termo,
que a falta de vivacidade,
onde o quente e o frio disputam,
mas os mornos é quem “comandam”,
portanto se há um responsável,
por toda dor da humanidade,
não são os quentes, nem os frios,
mas os mornos, que “comandam”
e que com sua passividade
permitem que de eternas disputas se faça o mundo.
E falam das guerras, como se não fizessem parte delas,
como se voluntariamente pudessem delas se distanciar,
lavando suas mãos,
Com belos discursos,
levando para o calvário, o mundo;
E assim, se poda a nossa razão,
no conformismo propagado
que de forma velada e obscura,
nos fazem temer a tão necessária luta,
e que distanciando-nos da realidade,
nos mantém tão longe de nossa liberdade;