28 de dezembro de 2013

Sobre morder a maçã

Como grande entusiasta da trajetória da personalidade do Steve, não pude deixar de conferir a estreia da última narrativa cinematográfica de sua história, o filmes Jobs. Não tinha grandes expectativas, porque sabia que o filme dificilmente retrataria algo diferente do que eu já li em algumas biografias, mesmo assim, qualquer experiência de contato com sua personalidade, se torna sempre algo instigante para mim.  E essa experiência não foi diferente. Apesar da superficialidade das atuações e do roteiro, é possível ter um primeiro contato poético com o legado que Steve e todo simbolismo da sua trajetória. Sei que para muitos, isso passaria desapercebido, por trás da visão superficial entre o homem e o mito, ou das críticas entre o ser revolucionário do capitalismo. Porém de toda forma, para mim, jamais poderia escapar, entre uma crítica e outra, a profunda admiração pela sua ideia da maçã e a imortalidade de toda devassidão do pecado mortal que nós lançou na humanidade.

Ele sabia, que chegamos aqui mordendo a maçã.

Quando digo que sou grande admiradora da personalidade de Jobs, é preciso estabelecer limites. É certo que ele era temperamental, megalomaníaco e um tanto quanto arrogante e egocêntrico, porém por trás de todos seus pecados, ou honestamente, na junção de todos eles, há o fascínio de uma escolha provocante, que data da mais longínqua aporia humana: morder ou não a maçã? Jobs, está sempre a nos oferecer a mesma. Acreditando no potencial humano, que onde há falhas, há também grandeza.

O dono de uma das maiores marcas de todos os tempos usando sandálias e shorts para uma reunião de negócios. Uma das mentes mais sagazes dos últimos tempos que não fazia questão de ser querido, apenas imortalizado. Um capitalista cujo lucro não importava mais do que as ideias, um artista cuja a perfeição de postava como o mínimo, cujo brilhantismo estava na apropriação humana. Como todo demônio, Jobs se fez a partir da apropriação do outro, do que havia de melhor no mundo. Poderíamos dizer que isso o torna não mais do que um burguês, mas para isso, seria necessário um tanto quanto mais de acumulação. O capital de Jobs nunca foi monetário, seu capital se constituiu em torna-lo um mito, um gênio, visionário. Jobs não queria nada menos do que a grandeza da história.

E conseguiu. A direção de suas criações figurarão para sempre como reflexo de sua engenhosidade em determinar historicamente as possibilidades de um futuro presente. Para chegar a isso, para encontrar a imortalidade da história, não precisou nada além do que morder a maçã e aceitar que seus pecados o tornariam humano, com tudo de mais poderoso que isso poderia representar. A aceitação de sua humanidade e o engrandecimento dela, para mim representarão sempre o simbolismo da maçã, e de tudo de vivo que há em ser aquele ponto fora da curva, amado e odiado, mas jamais ignorado.

"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o fazem."Jack k.

9 de março de 2013

Chavismo e a ilusão da luta anti-imperialista;

Após a morte de Chavez, fomos bombardeados com imagens e frases em apoio ao líder populista, que de acordo com grupos da esquerda, "realizou a proeza de fazer uma revolução democrática na Venezuela". Obviamente, que a direita condena. Mas não me interessa nesse momento debater com a direita, mas sobretudo, dialogar com grupos políticos de esquerda que defendem esse legado sob a perspectiva da "luta anti-imperialista".

latuff está certo. Agora se trata de pensar como Chavez entrará para a história.

Um dos maiores problemas que enfrentamos nos debates políticos dentro da própria esquerda é a falta de estudo e a miséria intelectual que faz com que a maior parte dos que assim se posicionam, defendam bandeiras das quais de forma profunda, desconhecem as origens e as implicações políticas, sociais e econômicas. Sendo a maior crítica da esquerda, a sociedade capitalista, na maior parte das vezes se ignora a força motriz dessa sociedade, ou seja, seu modo de produção. A dificuldade de entender que apesar da influência cultural e política que influi na manutenção desse sistema, o que de fato o sustenta é o seu modelo econômico sob uma sociedade dividida em classes. Essa clareza, que muitas vezes nos falta, é o que leva muitos a se perderem no pântano das lutas sociais democráticas e pequeno-burguesas. 

Transformar a sociedade capitalista está em primeira ordem para todo indivíduo que se considera revolucionário, mas como realizar essa transformação? Nesse momento se revelam os verdadeiros revolucionários, aqueles de de fato vão na raiz da questão, não de forma idealista, mas concreta, tomando como ponto de partida, os aspectos históricos, políticos, ideológicos e econômicos que são a base desse sistema. Ora, se o capitalismo se concentra, sobretudo, na detenção dos meios de produção por uma classe minoritária e a exploração do proletariado, como podemos pensar uma revolução que não seja a tomada de poder por essa classe que é a força propulsora de quase tudo que é produzido na economia capitalista?

Uma "revolução democrática" que através do sistema parlamentarista burguês elege um candidato do povo, não me parece, nem de longe, se configurar enquanto uma revolução. Mas essa aparência precisa ser superada por uma análise histórica mais rigorosa e isso me leva ao ponto crucial da minha crítica ao Chavismo, pois a  medida em que não houve a tomada dos meios de produção pela classe trabalhadora e não há um processo de modificação do modo de produção, o que de fato sobra para chamarmos de revolução? Seu espectro político?

Então é preciso ir mais a fundo e pensar as raízes do Chavismo e sobre qual pilar teórico ele se sustenta. Fundalmentamente, como o próprio Chavez sempre fez questão de defender com orgulho, Simon Bolívar e sua luta em prol da libertação da américa. Bolívar foi um indivíduo que se aproximou da política através do seu tio e foi levado a frança onde conheceu Bonaparte, por quem inicialmente, teve grande admiração. Se aproximou dos ideais iluministas que estavam em efervescência no pós-revolução francesa. Esse breve panorama geral da iniciação política de bolívar que desembocou no seu juramento pela libertação da America e posteriormente as lutas que ele liderou, nos diz o suficiente para pensar que esse ideal "revolucionário" se deu em um fortalecimento nacional e unificado frente a uma dominação colonial, sob princípios fundamentalmente liberais. 

Séculos depois, ainda é possível ver que esse pântano que cerca a questão revolucionária ainda é um obstáculo difícil de ser superado pela esquerda, a medida em que apesar da America não ser mais colonia da Europa, continua, desde antes de bolívar, totalmente dependente do capital e suas relações comercias. Não somente a America, mas todo o mundo. Portanto, tampouco bolívar defendia uma revolução, como jamais almejou uma transformação da sociedade, pelo contrário, sua luta tem um espectro nefasto da distorção das reais condições que mantinham (e mantém) a dominação de determinados países sob o mundo. 

O que implica Chavez e outros tantos grupos defenderem uma libertação da America latina frente a dominação imperialista? Apenas mais um engodo distópico que nos remete a uma situação de aparente luta, mas que por pano de fundo, mascara a real situação econômica (e suas transações comerciais), centralizando na figura de um líder de fala macia ao povo, o poder executivo, enfraquecendo o poder legislativo, mesmo ainda dentro dos limites burgueses. Um pouco de razão e memória nos levará ao próprio bonapartismo. 

"Mas ele estatizou e tomou ao povo o que antes estava na mão da iniciativa privada" 

Quantas vezes ouvi esse argumento? Que validade tem o ESTADO ao tomar os meios de produção para si, sendo que esse estado não é gerido pelo próprio povo, mas que se concentra na mão de um governo sustentado por um líder popular? Do ponto de vista autoritário tem uma grande validade. Ou vamos considerar Getúlio um grande revolucionário também? Afinal, ele não só fortaleceu a indústria nacional como estatizou quase que o país todo. Além de ter criado as tão "progressistas" leis trabalhistas. Ora, apesar de Getúlio não se apossar do discurso anti-imperialista, sua política não muito se diferenciou do Chavismo. 

E é ai que a ilusão da luta anti-imperialista cai por terra, porque mesmo com todos belos discursos, a Venezuela não deixou de negociar com países que tem relações comerciais diretas com os EUA, "o maior inimigo imperialista da america-latina". O próprio Brasil e até mesmo Cuba, que apesar de se dizer socialista e anti-imperialista, tem transações comerciais importantes com os EUA, como divulgou o wikileaks  recentemente. Tamanho paradoxo não é tão difícil de se explicar, a medida que mais uma vez, é preciso ir na raiz da força motriz do capitalismo, enquanto não se superar o seu modo de produção e travar-se uma luta INTERNACIONAL pelo tomada dos meios de produção pela classe trabalhadora, jamais veremos o capitalismo ser superado e tampouco o imperialismo, que se configura no seu estágio avançado.

Por tudo isso, não se trata de fazer uma "crítica a direita", mas uma crítica a própria esquerda, que ao deixar de visar a luta revolucionária, acaba se perdendo em discursos populistas que não nos levará a nenhum lugar além do que a própria social democracia já nos leva aqui no Brasil¹, e também não podemos nos esquecer que para muitos, até mesmo o Lula é socialista.

Afinal, não foi a Dilma que acabou de anunciar quem em sua gestão estamos a cada dia superando a miséria através de grandes conquistas sociais?

Conquistas sociais não nos tiram do estado de constante exploração, por isso eu reforço:


"proletários (explorados e iludidos) do mundo, uni-vos²"

Pela construção de uma revolução que nos leve a uma superação real da dominação capitalista.


__________
¹ com o agravamento de uma política nacionalista, que tende (ou leva) ao autoritarismo.
² citação de Engels e Marx, "manifesto do partido comunista", acrescida de uma parentese meu.

10 de fevereiro de 2013

Batman, a contra-revolução em forma de herói;

Quando eu deixo o conforto do meu lar e me direciono a um cinema tomada pela vontade de entender a aclamação crítica de um filme sobre super heróis, sei que o que está posto no horizonte é o cheiro das trevas. Se tratando de um filme sobre o Batman, herói que se quer me causa sentimentos, vejo uma urgência histórica. E isso me direcionou a entender o fenômeno do último filme "Batman e o cavaleiro das trevas ressurge".

Em um primeiro movimento, podemos identificar o herói Batman. Um personagem movido por suas paixões e magoas, cujas posses não possibilitam a redenção do passado. Pela amargura, constrói-se o mito, do homem que emprega sua riqueza e energia para combate do mal que paira sob Gotham, desde que nisso, seja preservada sua identidade. Como todo burguês de consciência social, ele vai ajudar crianças órfãs e dedicar parte de seus lucros a projetos de caridade, enquanto constrói uma bomba no seu quintal, obviamente, sem que ninguém saiba de sua identidade. Sempre retratado sob a ótica das intenções, de no fim do dia salvar mais uma vez o mundo, o Batman é sem dúvidas um dos heróis mais humanos e também mais representativos enquanto sujeito de uma sociedade de classes. Eu poderia até dizer, em uma análise mais direta, que não há herói que represente melhor o burguês contemporâneo do que o Batman. O burguês que não deixando de ser burguês, continua a querer salvar o mundo da sua própria desgraça. O burguês que ninguém sabe quem é, mas que existe e pode ser identificado pelos destroços de todas as bombas construídas

Em um segundo movimento, é necessário contextualizar a liga das sombras e todo sua analogia com movimentos revolucionários. Os oprimidos, originários nos esgotos de uma sociedade hipócrita, produto do sofrimento do abandono, que aparecem sob a bandeira da transgressão da ordem. Ordem essa que produz, o exército que está pronto para desestabiliza-la. A imagem do terror, que a ordem não consegue sobrepujar, todo o horror que a sociedade uma hora tem que encarar, o fim que todo mundo sabe, que cedo ou tarde chegará.

Não há estória mais contemporânea que a heróica do Batman. A luta de classes retratada, no seu apogeu histórico, ou como poderia dizer na melhor expressão do "vai ou racha". Assim, Nolan resgata, de forma oportuna, aquilo que desperta no seio da alienação os elementos mais viscerais da nossa apatia histórica. A necessidade de herói e do vilão, para um desfecho trágico de nossa ordem. É o espírito de nosso tempo, permeado de muitas caracterizações problemáticas e ao mesmo tempo necessárias. Por isso que Batman desperta a crítica e o furor de todas as partes, pois nem mesmo a burguesia, nem mesmo os revolucionários querem ser identificados da forma como o Nolan constrói tal problemática, porque ambos hesitam em se por no ângulo da imagem posta diante de seus olhos.

E nem deveriam. Porém o que se torna interessante nesse filme, e de certa forma, é posto sobre essa perspectiva, é a reflexão sobre o ponto no qual nos encontramos. Não é possível mais ignorar a desordem. Seja lá qual o lado que o espectador se coloca, os elementos reflexivos estão postos para questionar qualquer posição que já esteja tomada. Da mesma mão que vem a salvação heróica, procede também a origem de toda destruição. Tal como de toda ideia de equalização, há também os elementos de consolidação do terror que pode nos levar a nada. Revolução não seria a questão, nem mesmo o circo armado. A questão é sobre nós, e o outro. E sobre uma escolha que hora mais, hora menos não tardará em ser tomada.

Por isso, qualquer crítica ao filme precisaria passar por uma crítica a nossa sociedade. Não que Nolan seja um elemento neutro de análise. Mas é que mesmo sob sua ótica de classe, há um fragmento de brilhantismo que nos faz ter que ceder, mesmo que temporariamente, as suas analogias históricas.